O Custo Benefício Copa do Mundo de 2014



Toda vez que vai se fazer um gasto público, se está fazendo uma opção, que não é apenas econômica, mas política também, pois são tantas as demandas a serem cumpridas, que por vezes fazer uma opção implica abrir mão de outra. Neste sentido os gastos do Estado relativo à Copa do Mundo podem ser comparados sob esta óptica, Para tanto, há que se buscar uma padronização, ou uma relação adequada.

Neste caso é possível se comparar o custo de construção e reforma dos estádios com o de construção de moradias para a população. É claro que o gasto em estádios não pode ser visto apenas em seu valor, pois implicará efeitos multiplicadores, assim como também deve ficar claro que um bem estabelecido programa de habitação também produz tais efeitos, mas o caso aqui é comparar os gastos em si.

Neste sentido, há que se lembrar que recentemente o país foi palco de tragédias naturais ligadas às chuvas que levaram à destruição de grandes áreas. Apenas para exemplificar, o caso do estado de Pernambuco, onde foram perdidas 14.316 casas, cujos custos de reconstrução foram calculados em torno de 30 mil reais por moradia. Pois bem, o citado estado de federação atualmente provisiona verba estadual e terá empréstimo de recursos do governo federal para construir a Arena Capibaribe, cujo total será de 464 milhões.

Ora, basta fazer uma conta de divisão para se concluir que com tal recurso seria possível a construção de 15 mil casas, ou seja, recuperaria as destruídas e ainda construiria quase um milhar a mais. O Jornal Folha de São Paulo, trabalhando em torno destes números foi além e fez uma interessante comparação. Tomou por base os orçamentos de oito estados (Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Ceará e Rio Grande do Norte), que acrescidos pelo distrito federal deverão investir 4,831 bilhões de reais em seus estádios visando a Copa de 2014. Esse dinheiro representa oito vezes o que os nove governos gastaram com habitação em 2009, algo em torno de R$ 589 milhões, o que significa que se mantido este nível de investimento nos próximos cinco anos, incluindo 2010, se teria a verba para habitação para os próximos cinco anos.

Outro comparativo dos recursos em questão poderia ser feito em relação ao investimento feito em saneamento básico. Neste caso, o valor foi de R$ 1,269 bilhão em 2009, portanto, o valor gasto com os estádios equivalem em torno do gasto de quatro anos do país em infraestrutura. Ou seja, mantida a média, e faltando quatro anos para Copa, este seria o valor gasto em saneamento básico até lá. Por fim, um terceiro comparativo, agora utilizando-se do investimento em gestão ambiental do citado grupo da federação em 2009. Trata-se de R$ 1,170 bilhão, ou seja, o valor a ser gasto com a futura copa em estádios se equipara a quatro vezes, o valor gasto em um ano neste segmento. Hoje existe uma carência de 5,8 milhões de habitações no Brasil, quanto ao saneamento básico, um quarto das famílias brasileiras ainda não têm acesso ao mesmo, no que tange a questão ambiental, estudo da Academia Nacional de Ciência dos EUA aponta o Brasil como líder em desmatamento na primeira metade da primeira década do século XXI.

O montante gasto com a Copa não resolveria o problema, mas ainda assim, é mais do que está sendo investido, o que se faz questionar quanto a prioridades e hierarquia dos gastos do governo. Muito se fala em investimento privado, mas não se esclarece que serão com recursos buscados junto ao BNDES, (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) onde o dinheiro para obras de estádios terão status especial, sem por exemplo, enfrentar fila. Ah, sim, alguém pode perguntar como vai à solução dos desabrigados de Pernambuco, sobre as tais 14.136 moradias ficaram em falta. A este respeito, até 05/09/2010, 66 casas foram entregues aos desabrigados, enquanto os outros desalojados esperam e recebem R$ 150 por mês para pagar aluguel. Este é o Brasil real da Copa de 2014.


Gilberto Brandão Marcon


28 de outubro de 2010


Professor da UNIFAE, centro universitário em São João da Boa Vista-SP. Ex-Presidente do IPEFAE (2007/2009), instituto que promove estágios, pesquisas e concursos. Formado Economista pela UNICAMP, pós-graduado em Economia de Empresas UNIFAE, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação pela UNIMARCO, tenho atividades complementares Comentário Econômico em TV local.

A Origem e Importância do Programa Bolsa Família



O Brasil é um dos países em desenvolvimento em que grande parcela da população não consegue atender às suas necessidades básicas e a distribuição de renda é uma das mais desiguais ao ser comparada com outros países. O fator determinante é o perfil da distribuição da renda da população. A forma como a riqueza total da produção do país está distribuída entre seus habitantes é crucial para a situação social da população em geral.

A má distribuição da renda e o desemprego são barreiras ao desenvolvimento econômico do país e representam graves problemas de amplitude social. Apesar do aumento do número de pessoas empregadas no Brasil, ainda existem muitos desempregados. Desse número, também uma grande parte da população está empregada, mas a renda familiar ainda é insuficiente para garantir o sustento da família e melhores condições de vida.

Ante tal situação, a solução encontrada pelo governo atualmente é ajudar essas famílias através de auxílios com repasse direto de renda, sob alegação de que esses auxílios são necessários para ajudar a suprir as necessidades das famílias enquadradas na parcela da população mais pobre. Esse auxílio é normalmente feito através de programas sociais instituídos pelo Governo Federal para redistribuir a renda na economia, tornando a distribuição da riqueza do país a mais igual possível, visando principalmente a reduzir a desigualdade de renda existente. A ação assistencialista por parte da gestão pública não é uma novidade, está presente na história das nações e o exemplo mais conhecido, talvez por conta do caráter precursor, foi a Lei dos Pobres, instituída na Inglaterra em 1834.

Essa lei tinha como função dar dinheiro aos pobres através das paróquias; dinheiro este que tinha por finalidade garantir a alimentação da camada da população mais carente e com isto diminuir os problemas sociais no país. No caso do Brasil, a principal ferramenta utilizada atualmente para redistribuição de renda pelo governo Lula é o programa social Bolsa Família, inspirado no programa Bolsa-Escola. Foi criado na cidade paulista de Campinas em 1994, o qual passou a ser implantado também por outros municípios e, que dada à sua funcionalidade e seus resultados positivos, acabou por ser implantado em 2001 pelo governo federal, na gestão de FHC como forma de redistribuição de renda.

O Bolsa Família é uma renda mensal disponibilizada pelo governo às famílias mais carentes. A renda varia de acordo com o número de crianças na família, e para que o auxílio seja recebido, as crianças devem estar frequentando a escola regularmente e ter as vacinações em dia. Além de dispor de uma renda que geralmente vai para a alimentação das famílias carentes, a exigência de que as crianças frequentem a escola e tenham as vacinações em dia é uma forma de combater o trabalho infantil, a mortalidade infantil e o analfabetismo no Brasil. Atualmente o programa integra a estratégia do Fome Zero, que tem por objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania pela parcela da população mais vulnerável.

A coordenação de programas complementares tem por objetivo o desenvolvimento das famílias beneficiadas, de modo que os beneficiados consigam superar a vulnerabilidade à pobreza. O cadastro e a administração deste programa social são centralizados no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), auxiliando no controle e na fiscalização do mesmo. O programa Bolsa Família é uma unificação de vários outros programas implantados no governo FHC e a principal fonte de receita utilizada para essa redistribuição é a tributação dos impostos sobre residências, rendas industriais, contribuições previdenciárias, transferências correntes e empréstimos.

Cada indivíduo na sociedade paga, de acordo com seus rendimentos, um tributo. Quanto maior for sua renda e a quantidade de seus bens como imóveis e carros, maior será a sua contribuição para com o governo. Através principalmente desse sistema de tributação o governo elabora sua política de assistência social. É a forma mais eficiente de recolher uma porcentagem dos rendimentos recebidos pela parcela da população proveniente de maior riqueza da produção do país.

Assim, o governo retira dinheiro das áreas mais abastadas da economia para redistribuição aos setores mais pobres. Essa intervenção do governo se faz totalmente necessária para melhoria do nível de vida dessas famílias carentes. Índices como o PIB (Produto Interno Bruto) e o PIB per capita, indicam que o Brasil, apesar de apresentar-se entre as nações mais ricas do planeta, constatou-se que a distribuição de renda interna ainda é muito desigual, pois poucos ganham muito e muitos ganham pouco. O índice utilizado para mensurar da desigualdade de renda é denominado Coeficiente de Gini, que varia de 0 a 1 - sendo 0 uma situação na qual toda a população possuísse uma renda equivalente, e 1 quando apenas uma pessoa detivesse toda a riqueza do país.

O índice caiu sucessivamente de 0,597 em 2002, até 0,574 em 2004. Entre 2003 e 2004, a queda foi de 5%, coisa jamais vista no Brasil. Isso aconteceu numa época em que o mundo passou por um grande surto de desigualdade (ARAUJO, 2006, p.170). O assistencialismo e os programas sociais são os mecanismos mais comumente utilizados pelos governos da maioria dos países para melhorias na distribuição da renda e da riqueza produzidas em um país entre seus habitantes. Tatiana Feitosa de Britto, especialista em políticas públicas e consultora do Senado, para assuntos de educação, tem uma posição menos intransigente, porém, afirma também em entrevista à PrimaPagina em 31/10/2008; que “sozinho, o Bolsa Família, como qualquer outro programa de transferência de renda, é incapaz de tirar as pessoas da pobreza permanentemente, pois é na articulação entre as diversas políticas originadas da Constituição que se pode vislumbrar uma superação de fato da pobreza”.

A autora fez seu comentário em torno do programa brasileiro, que hoje atende mais de 11 milhões de domicílios e investiu, em seus cinco anos, R$ 41 bilhões, segundo o Governo Federal. De acordo com ela, um programa de transferência de renda só tem um impacto duradouro, de forma que as pessoas consigam sair da situação de pobreza, se não for só programa de transferência de renda. Tem que ter outras coisas relacionadas, outras políticas públicas. Ainda há muitas melhorias a serem feitas nesses programas. Ainda assim, há que se considerar que houve um grande avanço do Brasil na questão da distribuição da renda e do combate à pobreza.

Em pesquisa publicada em agosto de 2009 pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento inclusivo (CIP-CI), se afirma que os programas de distribuição de renda e as melhorias na educação foram os principais responsáveis pela diminuição da desigualdade de renda no Brasil entre 2001 e 2007, caindo de 0,59 para 0,53 de acordo com o Coeficiente de Gini. O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) afirmou que “os pesquisadores do IPEA apontam que se os atuais programas sociais fossem extintos (PBF, BPC, Previdência social), o número de indigentes dobraria dos atuais 11% da população para 22%. Some-se a isso que estudo da Fundação Getúlio Vargas apontou uma redução da pobreza de 19% entre 2003 e 2005, com base nos dados na PNAD”. Ainda afirma que o programa apresenta muitos pontos positivos, o que vem a intensificar a sua eficiência desde sua implantação. De acordo com o MDS, os principais resultados do programa Bolsa Família são que: o programa está bem focado, ou seja, efetivamente chega às famílias que dele necessitam e que atendem aos critérios da lei; o programa contribui de forma significativa para a redução da extrema pobreza e da desigualdade; o programa contribui para a melhoria da situação alimentar e nutricional das famílias beneficiadas.

Atualmente, são mais de 11 milhões de beneficiados com o programa e de 2001 a 2004 e segundo o IPEA, a desigualdade da renda familiar per capita caiu de forma contínua e atingiu seu menor nível nos últimos 30 anos. Porém, a avaliação de alguns pesquisadores é de que as estratégias como as utilizadas pelo Bolsa Família para transferência de renda, não teriam mais efeitos nos próximos quatro anos. “O programa foi uma saída, mas precisa ser reavaliado.” ? o que afirma Ernesto Jegger, representante do escritório no Brasil do DFID (Departamento para Desenvolvimento Internacional) – órgão ligado ao governo da Inglaterra. A ONU (Organização das Nações Unidas) informou que o programa ainda precisa de amplas reformas estruturais para acabar com o problema da fome no país, pois ainda apresenta algumas falhas em sua estrutura e que o governo deve levantar as causas desses problemas sociais para melhor estruturar o programa, porém afirmou que o Bolsa-Família é um exemplo para acabar com a fome no mundo.

Neste sentido, apesar das muitas reformas que ainda precisam ser feitas, a ONU já está tomando o Bolsa Família como exemplo para seus futuros programas e já recomenda esse programa a outros países em desenvolvimento. Devido à sua funcionalidade e aceitação, este programa já está sendo considerado como uma importante ferramenta de desenvolvimento de economias com deficiência. Ainda segundo a ONU, o objetivo não é apenas entregar alimentos às populações na África, Ásia ou América Latina, mas também criar condições para que as pessoas possam começar a produzir e incentivar a produção local.

O ideal não é meramente disponibilizar este auxílio às famílias carentes, mas estimular cada vez mais a produção e o desenvolvimento social. O melhor seria não criar a dependência no programa, mas incentivar cada vez mais o auto-sustento dessas famílias.


15 de novembro de 2010

Autora: Fernanda Migot, aluna do 4º. Economia da UNIFAE. O artigo fez parte do desenvolvimento da construção da sua monografia de conclusão de curso: A Intervenção do Estado Brasileiro através de Políticas Públicas Assistencialistas

Drucker e o Conceito de ‘Objetivos’ na TGA




O conceito de “Objetivos” na Administração está diretamente associado à importante mudança na evolução do capitalismo, marcada pela Crise de 1929, que acabou por influenciar os métodos de gestão não só em relação ao setor privado, mas também em relação ao setor público.
De modo geral, o capitalismo se desenvolveu a partir de uma situação de demanda crescente por mercadorias em contraposição a uma oferta então escassa das mesmas.
Iniciado a partir da atividade comercial consolidou-se através de uma Revolução Industrial, que se trata de uma revolução na área produtiva. E o que é a citada revolução se não o desafio de aumentar a capacidade de produzir da economia? Ou seja, no seu início o capitalismo se mostrava antes favorável ao produtor do que ao consumidor. Isto pode ser observado na teoria econômica, onde se tem a denominada teoria clássica associada ao liberalismo, apoiada na idéia de livre comércio, onde um de seus preceitos básicos se associa à Lei de Say, cujo enunciado explicava que a economia funcionava a partir do princípio de que a “oferta determinava a demanda”. Isto implica termos de análise de mercado dizer que o mercado é favorável ao ofertante.
O fato é que o capitalismo, surgido no século XVIII, não só haverá de suprir a demanda existente, como haverá de suplantá-la. E a Crise de 1929 pode, em termos, ser avaliada como o aspecto conjuntural que atua com sintoma claro de que a oferta de produtos passou a ser superior à demanda. Não por acaso é um momento de tantos estoques, isto está refletido na denominada revolução keynesiana, onde o economista inglês J.M.Keynes propõe um novo enunciado como condutor da economia, o “princípio da demanda efetiva”, que define que a é “a demanda que define a oferta”.
Em termos de mercado existe uma nova situação: este se torna claramente favorável ao consumidor demandante em contraposição ao produtor ofertante. Ora, o que tem isto em relação aos “objetivos”? A Administração surge a partir de ligação íntima com a Economia que a precedeu. É no escocês Adam Smith que F. Taylor vai buscar os fundamentos para as suas idéias de expansão da produtividade. O norte-americano, juntamente ao naturalizado francês H.Fayol, são os clássicos da TGA. O primeiro se voltou aos aspectos da linha de produção, enquanto o outro ao quadro administrativo propriamente dito.
Os fatos estão integrados ao contexto de mercado pró-ofertante e desenvolvem suas teorias tratando o objeto de estudo da ciência administrativa com se fosse um sistema fechado, ou seja, utilizando o termo da Administração, se centraram numa visão apenas das ‘variáveis controláveis’. Pode-se dizer que o olhar da Administração se voltou para as ‘variáveis incontroláveis’ no momento em que se passou a considerar o conceito que aqui motiva este texto, os objetivos, voltando ao aprofundamento do estudo do consumo e passando a observar a gestão sob a óptica de sistema aberto, portanto, não apenas a unidade empresarial, mas sua interação com o meio.
Na TGA esta passagem se faz com uma nova abordagem, a neoclássica, liderada por Peter F. Drucker, contexto em que se desenvolve o conceito de eficácia como acréscimo à idéia predominante de eficiência. Ou seja, pode-se associar o conceito de eficiência a Taylor, que buscava a melhor maneira de se produzir algo, e o de eficácia a Drucker, que busca, sim, a melhor maneira de produzir a partir daquilo que se ajusta ao consumo. Não são visões contraditórias, mas complementares, assim como o é gerir controlando variáveis controláveis e incontroláveis.
Não por acaso Drucker é o criador da APO (Administração por Objetivos), administração por objetivos. Isto num contexto onde, em última instância, o consumidor acabará por ser o objetivo essencial. Tanto é assim que aqui se inaugura o que futuramente seria a ‘mercadologia’ (estudo do mercado) que culminou na síntese teórica de P.Kotler, que organizou o método de Marketing já nos idos dos anos sessenta, claramente fundamentado nas necessidades do consumidor.
Cabe ainda destacar a contribuição da Escola das Relações Humanas, surgida em torno da crise econômica do final dos vinte e início dos anos trinta. Neste caso, ao voltar-se para o estudo do fator humano, por conta dos problemas gerados pelo desemprego e crise e evolução da organização sindical do trabalho, inaugurou-se a contribuição dos psicólogos e sociólogos na Administração, que até então era dominada por engenheiros. Até nisto fica claro o enfoque antes de sistema fechado para transição, para sistema aberto.
O importante é perceber que um sistema aberto implica variáveis controláveis e não controláveis, e que eficácia deve existir num contexto de eficiência, que o consumidor deve efetivamente ser considerado sem se descuidar dos aspectos do ofertante, e que o fator capital e o fator trabalho são os efetivos recursos produtivos, merecendo ambos o cuidado devido.
Ter objetivos é, portanto, organizar-se em torno do meio ambiente (mercado) criando afinidade que haverá de conquistar o consumidor, meio fundamental para se atingir o lucro.

07 de maio de 2009

Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

As Alterações na Caderneta de Poupança




Novamente se transformam em notícia alterações na caderneta de poupança, aplicação financeira voltada ao pequeno aplicador brasileiro. Tanto é assim que, segundo dados do Banco Central, de seu total de poupadores 93% têm um total de depósito inferior a R$10.000,00.
A questão é polêmica sob alguns aspectos, e sem dúvida o primeiro se relaciona ao trauma deixado pelo último governo que interferiu no seu funcionamento, ainda no início dos anos noventa: o extinto e de triste lembrança período Collor, e seu marketing pirotécnico onde, dentre as suas famigeradas medidas, decretou o sequestro da poupança.
Neste sentido o atual governo (de seu antigo adversário, o presidente Lula), vem buscando desmentir tal possibilidade, o que realmente se faz necessário, à medida que o mercado financeiro por si só é avesso ao risco, o que dirá numa situação como a atual de crise incubada e nascida neste território.
Numa análise que vai além do discurso político seria um verdadeiro “tiro no pé” se o atual governo adotasse qualquer medida neste sentido, justamente ele que teve como primeira meta atuar sobre a credibilidade, visando à confiança do mercado.
Em que pese a crise, no que se refere à área da gestão econômica há que se respeitar a atuação governamental. Ou seja, entendo que o risco de confisco é nulo e afirmo mais, seria uma tremenda tolice.
Isto posto, saindo do plano da boataria, se faz interessante analisar o que há, de fato, em torno da ‘fumaça’ gerada pelo assunto. O que temos hoje é uma situação há muito desejada pela população brasileira, ou seja, a redução da taxa de juros, o que vem ocorrendo muito mais por conta da conjuntura atual do que do modo estrutural. Entretanto, gerir significa saber aproveitar as oportunidades, e isto vem sendo efetivamente feito.
Quando afirmo que se trata de opção conjuntural é porque a queda dos juros somente surgiu por conta de resposta à intensa queda de demanda provocada pela crise internacional. Há que se recordar que antes do último trimestre de 2008 o problema central vivido pelo Brasil era um aquecimento excessivo da economia que levava o governo a manter a taxa de juros em níveis mais elevados, visando ao esfriamento da economia. O desaquecimento veio, não dentro do esperado, mas bem mais intenso, e não por conta da política monetária do governo, mas sim do contágio da crise internacional.
A mudança de cenário repentina fez o governo rever o seu posicionamento, ou seja, ao invés de atuar no esfriamento, se fazia necessário estimular o aquecimento da economia. Neste sentido ele atuou visando a aumentar o crédito disponível no mercado, onde as principais medidas foram a redução do compulsório bancário e a adoção de um direcionamento descendente em relação à taxa básica da econômica (Selic), além de medidas pontuais de oferta de crédito via suas instituições financeiras: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
O risco, entretanto, se manteve alto ao longo do início de 2009, de modo que os intermediários financeiros da economia mantiveram taxas em níveis mais altos (depois, com alguma redução), reduziram o prazo de pagamento, além de se tornarem mais severos na concessão de créditos. Não por acaso o governo se viu instigado a recorrer à política fiscal como meio de combate à queda de demanda. Também promoveu a redução de impostos (se bem que por prazo determinado), objetivando que a redução de preço decorrente viesse a estimular o consumidor às compras, já dentro de um quadro de crédito mais barato.
Eis que a queda da Selic trouxe um problema. Isto porque se trata da taxa que remunera os títulos públicos, que são por seu lado a garantia das operações de open market, ou seja, de mercado aberto, justamente as operações de curto prazo em torno das quais o governo promove a rolagem diária da dívida pública, através da emissão e compra dos seus títulos.
Acontece que a humilde caderneta de poupança tem, como meio de remuneração, juros de 0.5% ao mês mais TR, ou seja, a taxa referencial, que por seu lado não é uma taxa de juros e nem de inflação, mas sim uma média da remuneração paga pelos 30 maiores bancos nos seus CDBs.
Acresça a isto a isenção de imposto da caderneta, contra a tributação em torno de 20% da aplicação em fundos, e teremos que o “patinho feio” do mercado de aplicação financeira acaba tomando ares de “cisne”, com remuneração superior aos fundos. Resultado: onde antes nadavam sardinhas e de vez em quando uns atuns, aparece uma invasão de tubarões.
Deixando de lado as metáforas, a situação é bem simples: trata-se do aplicador de fundo passar os seus recursos para a caderneta de poupança.
Para o governo uma boa consequência seria que a queda da Selic barateasse o refinanciamento da dívida, porém também teria consequências negativas. Uma seria a perda de arrecadação, dado o fato de uma aplicação ser tributada, enquanto a outra é isenta. E não sendo isto pouco, também implicaria uma substantiva redução do tamanho do mercado, ou seja, dos recursos disponíveis para arrolar a sua dívida, o que acabaria por determinar ou a redução do imposto ou o aumento dos juros para novamente tornar atrativo o mercado de fundos.
Isto no que se refere ao governo diretamente. Mas existe outro fator ligado à pressão exercida pelo segmento bancário. Ora, os bancos cobram pela administração destes fundos e estariam perdendo receitas com a transferência dos fundos para a poupança. Além disto, no que tange os valores aplicados na caderneta de poupança, os bancos têm que aplicar no mínimo 65% destes recursos em financiamento imobiliário, o que condicionaria parte dos recursos que os mesmos hoje captam a custo relativamente baixo.
Há que se pensar ainda que com relação às mudanças, se estas passarem pela TR deverá implicar mudanças também no FGTS, que é corrigido pela referida taxa, mais 3% ao ano. Neste caso os seus compulsórios depositantes podem sofrer com as alterações.
Enfim, a frase é bem pouco científica, mas elucidativa: ‘alegria de pobre dura pouco’. Ninguém se incomoda muito quando a caderneta de poupança não remunera adequadamente os seus aplicadores. Esse pessoal miúdo não faz frente ao pessoal graúdo, que têm mais força para expressar a sua cidadania.
Conclusão, não haverá confisco, mas as possibilidades de que ocorram mudanças são efetivamente concretas.

05 de maio de 2009

Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

A Proibição do Telemarketing




Tantos foram os abusos, primeiramente detectados pelos órgãos de defesa do consumidor, e depois se generalizando na mesma proporção da impertinência de tele-inoportunos que insistiam em invadir os lares e empresas brasileiras através da linha telefônica. Como se fosse o sujeito que toca a campainha e já vai abrindo a porta da frente, entrando e gritando “ó de casa!”, como se gozasse da plena intimidade do seu espaço, embora nunca tenha tido o menor contato com o tal “Mané”. Mas ele parece não se incomodar com isso, vai se sentando e entrando no meio da conversa que ocorria antes de sua chegada. E o pior: quer ser o centro do assunto, e ainda por cima lhe vender algo que você não se dispôs a comprar; como se desejasse criar a necessidade de consumo do seu produto pelo método da tortura da sua presença.
O clamor social parece ter chegado ao Monte Olimpo das autoridades brasileiras, seja por ser correto, seja por se pensar no voto dos beneficiados. E neste caso é válido, pois uma necessidade efetiva foi criada, a noção de ser perturbado. Enfim, uma dose de cidadania “na marra” para nós, que somos tão anestesiados, acaba por contribuir. O governo estadual de São Paulo resolveu assumir com pioneirismo a adoção de medidas no sentido de conter os abusos, o que significa simplesmente dar ao consumidor a liberdade de optar se quer ou não receber a “visita surpresa” em sua casa ou trabalho, algo que parece bastante óbvio, embora algumas vozes do setor envolvido falem na perda de postos de trabalho. É claro que também do seu lucro, algo que nunca é alegado, como se fosse pecado. O fato é que seja remunerar como capital, seja como o trabalho, é a regra do jogo, o problema não está aí.

A questão passa pelo consumidor, que às vezes parece ser apenas um mero objeto a ser manipulado pelos “gênios da comunicação” que transformam conversa em lucro, e ele é quem paga o trabalho. O problema é que o consumidor não é secundário, mas prioritário. É que se ensina no bom marketing que a venda do produto acaba se fazendo por sua capacidade em coadunar com tal necessidade. O que se tem no tal telemarketing é esforço de venda na sua dose mais pura e potenciada pelos instrumentos de modernidade da comunicação. Deveria se chamar conceitualmente de “televenda”, mas neste caso a televisão chegou antes e já havia absorvido este qualificativo; então deveria ser “telefonovenda”. A sutileza da denominação de “telemarketing” se esconde atrás do que existia de positivo na imagem do marketing.

Basta perceber que, num comparativo simples, a venda televisiva embora tenha a seu favor a imagem é menos agressiva que a via telefônica, à medida que na primeira quem liga o aparelho é o consumidor, que pode desligá-lo ou mudar de canal se a argumentação do televendedor não lhe agradar. E então se poderia dizer que também se pode desligar o telefone de forma mais ou menos educada, mas existe um diferencial: o constrangimento, ou seja, enquanto houver um mínimo de educação e civilidade no ouvinte compulsório da visita telefônica ele ficará ali à mercê de alguém preparado para exercer uma conversa robótica. Aliás, algo a ser discutido, algum dia, se for feita uma pesquisa sobre a satisfação dos operadores com seus próprios serviços, e do seu estado psíquico após o exercício de atividade tão pouco gratificante que deve ser o treino da capacidade de ser rejeitado. É a arte de constranger versus o feedback de ser rejeitado.

O mínimo que se pode concluir é que o “trem” em questão não colabora para a saúde psíquica do ser humano. Em São Paulo, a regulamentação será feita pela Lei 13.226 , sancionada pelo governador José Serra em 7 de outubro de 2009. Quanto ao aspecto funcional, o que se terá será a criação de um cadastro estadual das pessoas que não desejam receber ligações de telemarketing. Eis o “ovo de Colombo”, o cidadão-consumidor poder decidir. Contra isso tem sempre aquele bom “liberalista de plantão” para defender a não-intervenção no mercado, a auto-regulamentação e “blá-blá-blá”, do mesmo tipo das tais agências reguladoras sustentadas com dinheiro público, fontes de empregos de não-concursados, coisa que os plantonistas em questão não reclamam como intervenção do Estado.
Quanto ao resultado, do equilíbrio entre empresas em consumidores e os aumentos do custo dos serviços públicos pós-privatização, bom negócio para o governo, que além de deixar de prestar a retribuição do imposto pago, ainda cobra impostos sobre tais serviços a serem pagos pelo “pagador de impostos” que consegue ser assim duplamente prejudicado, como consumidor e como contribuinte. E o cidadão? Este parece só existir mesmo em períodos pré-eleitorais, quando então fica à mercê do marketismo eleitoral, mas esta é outra história.
Pois bem, estando o consumidor cadastrado, após 30 dias as empresas de telemarketing ficam proibidas de contatá-lo. Uma opinião sensata em meio à discussão foi a de Ana Maria Moreira Monteiro, presidente da AM3, empresa de consultoria de telesserviços, que identifica, como conhecedora do Marketing, que o problema é a falta de critérios para as ligações, “sem direcionar produtos a públicos específicos”, fazendo com que a imagem do setor seja ruim perante a opinião do consumidor. Outra opinião ponderada parece ser a do presidente do sindicato das empresas de telemarketing (Sintelmark), Diogo Morales, que não se deixou levar pelo alarmismo “apocalíptico” e observa que ainda não é possível dizer se haverá demissões. – “Se houver muitos cadastros, é provável que sim”, e ainda argumentou que “é preciso lembrar que, para muita gente, é um orgulho receber uma ligação ofertando um produto”; neste caso se estará frente ao perfil do consumidor que não fará parte do tal cadastrado. Há que se aguardar.
Seja como for, as adaptações no setor se farão necessárias dado que a tendência de regularização tende a se espalhar a nível nacional, e se não houver uma lei no plano federal, as regras tendem a ser diferenciadas em cada estado. Assim é o exemplo do Rio Grande do Sul, onde o Projeto de Lei 22/2007 proíbe serviços de telemarketing fora do horário comercial; em tese com regra mais branda que a paulista, porém amparado na mesma essência, a abordagem abusiva, que por sinal permite amparo do Código de Defesa do Consumidor e pelo artigo 24 da Constituição Federal, que trata do consumo e da publicidade abusiva, fundamentação da citada lei.
O fato é que nesta questão está em jogo algo que vai além do setor: trata-se de direito à cidadania efetivamente exercido, com o Estado cumprindo o seu papel, e ele tem sido muito bem pago para isto. Quanto às empresas do setor, devem adequar seu tamanho e expansão a uma regra simples: respeitar o cidadão-consumidor. Poderia citar aqui um sem-número de atividades ilícitas que dão emprego e nem por conta disso deixam de ser ilícitas. Fato é que a liberdade de ação de um deve se limitar à liberdade do outro, ou seja, viver em sociedade significa ter direitos e deveres. Uma sociedade civilizada implica equilíbrio entre ambos; no caso brasileiro é um bom passo do nosso caminho a efetiva civilização, que implica cidadania efetiva e utilitária, e não aquela romantizada e lacrimejada pela moral que faz do cidadão uma espécie de servo do Estado. A pátria é um esforço dinâmico da sua coletividade, é nação viva, e não entulho de verborragia, seja de direita, seja de esquerda.

14 de abril de 2009

Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

Carga Tributária – O Quanto você paga de impostos




Normalmente, ao se construir um artigo prefiro não ir além da ironia. Mas no caso em questão o adjetivo “bestial” infelizmente não está no plano das metáforas, mas é antes uma conclusão, onde o animal de carga e seu temperamento paciente, em que pesem alguns momentos de teimosia a se rebelar, normalmente carrega sob o lombo cargas consideráveis; os números abaixo mostram que isto é um fato, eis aí a sina do cidadão brasileiro.
A análise se apoia em estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT que concluiu que a carga tributária brasileira chegou a 36,56% do PIB em 2008, o que em números significa um montante arrecadado de R$ 1,056 trilhão, para um PIB de R$ 2,889 trilhão. E que para infelicidade da cidadania representou uma expansão em relação à arrecadação do ano anterior, de 2007. Foi algo em torno de 14,43%, que em valores correspondeu a R$ 133,26 bilhões transferidos do bolso da sociedade para o governo.
A partir de tal percentual, se considerarmos um ano de 365 dias, isto equivaleria a 133,44 dias, ou seja, trabalhou-se até parte do dia 14 de maio para se pagar os tributos. Outra forma de se ter idéia da participação da carga tributária na vida do cidadão é usar o mês de trabalho, ou seja, considerando os 30 dias, que é a medida legal, pode-se dizer que em torno de 11 dias do mês pertencem ao governo. Ainda se poderia fazer a conta por horas trabalhadas por semana, tendo por carga legal 44 horas trabalhadas, e neste caso se poderia dizer que em torno de 16 horas pertenceriam ao governo. Assim, numa carga diária de 8 horas durante a semana, e quatro horas a serem completadas no sábado, a segunda e a terça-feira seriam do governo. Eis em algumas medidas a participação do governo em nossa vida.
Para complicar ainda mais esta conta, se o cidadão for de classe média, sendo assim considerado dentre aqueles com renda entre 3 mil a 10 mil reais cuja, característica é tentar fugir da baixa qualidade dos serviços públicos, acaba gastando com aquilo que, de certa forma, já pagou, porém prefere pagar de novo, adotando a informação novamente auferida pelo IBPT, que calculou que o citado segmento teve 32% da sua renda comprometida em 2008 com a contratação de serviços privados em substituição àqueles que deveriam ser fornecidos pelo setor público.
Neste caso, se somarmos o percentual da carga tributária com o utilizado para fazer a substituição do serviço público temos o significativo percentual de 68,56% da renda gasta em imposto em serviços substituídos, e então novamente transformando em dias o abstrato percentual, num ano de 365 dias teremos que o cidadão de classe média trabalhou 250,24 dias para pagar a conta, ou seja, até o dia 7 de setembro e mais algumas horas para do dia 8. Eis aí uma ironia, afinal se trata da data em que se comemora a independência do Brasil. Mas não se perca do foco, é exatamente isso até nesse dia se está à disposição do governo; o resto do ano é seu, goze com profundo prazer os quase quatro meses restantes.
Dividindo estes recursos entre os três planos da administração pública, segundo o mesmo IBPT, a expansão se deu em todos os níveis, com destaque para o plano municipal . Assim, o crescimento da arrecadação Federal foi de R$ 88,70 bilhões, um percentual de 13,63%. Nos Estados da federação foram R$ 36,55 bilhões, percentual de 15,66% e por fim, nos municípios, R$ 8,02 bilhões, graúdos 20,64%.
Outro dado interessante é o pagamento per capita de tributo que mostra que em 2008 cada brasileiro pagou aproximadamente R$ 5.572 em impostos, o que significou um aumento em relação aos valores pagos em 2007 da ordem de R$ 652 por unidade de cidadão confiscado, o que por seu lado implica um aumento de 13,24% na carga tributária per capita de um ano para o outro. Na prática se pagou mais ainda pelos precários serviços públicos oferecidos pelo governo. Os impostos e contribuições que lideram o instinto predador tributário foram liderados, segundo dados do IBPT pelo ICMS (R$ 34,59 bi), seguidos do Imposto de Renda (R$ 31,58 bi), INSS (R$ 27,11 bi) e COFINS (R$ 18,31 bi). O destaque individual em termos de aumento da arrecadação foi o IOF foi com 159,60%.
Se estes dados são uma tendência mundial, ou se por aqui a coisa é exagerada, se fazendo um comparativo com outros países emergentes fica evidente o confisco gerado pela carga tributária brasileira que é nada mais, nada menos do que o dobro da carga tributária imposta na China, na Índia e na Rússia.
No mais, a situação seria mais aceitável diante de serviços públicos de qualidade, o que não é o caso; só não paga por serviço privado substitutivo aquele que não tem renda para pagar, e que se vê desgraçadamente dependente da oferta pública. Ou seja, é caso típico de dupla tributação, uma pela via do tributo, outra pela não prestação adequada do serviço. Uma leva recurso, a outra não retribui o levado. Una isto a uma das classes políticas mais bem remuneradas do mundo, os nossos representantes, os tais gestores públicos, e há que se perceber que o adjetivo “bestial” é algo até que ameno.

11 de abril de 2009

Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

Henri Fayol e o Mito da Matemática como Meio de Tomada de Decisão




No meio acadêmico, por vezes encontramos uma abordagem em relação à tomada de decisão que quer insistir na possibilidade da exatidão deste processo. Pior do que isso, segue uma espécie de condicionamento que fez do método matemático uma espécie de juiz, algo que possibilitasse dar uma objetividade tal à tomada de decisão que permitiria, em tese, praticamente eliminar o fator de subjetividade do tomador de decisão.
Contribui para esta visão a evolução da estatística que permite, via pesquisa de mercado, produzir a leitura de muitas diretrizes que a princípio pareceriam estar ocultas. Esquece-se que, neste caso, o que se obtêm são apenas dados que de pouco serviriam se não fossem analisados adequadamente pelo saber e conhecimento daquele que os avalia, ou seja, os dados não falam por si, mas efetivamente permitem assessorar de modo quantitativo a tomada de decisão; porém, somente a subjetividade do analista capacitado poderá dar valor qualitativo à decisão.
É importante não se tornar escravo do método, mas sim utilizá-lo por assessor. É essencial saber que o elemento decisivo trabalha, necessariamente, com a redução do risco e não com a eliminação integral do mesmo. Prometer ou acreditar em certezas é enganar ou enganar-se; a própria estatística, se observada, costuma alertar aos desatentos sobre a probabilidade de erro. Não se propõe evidentemente a desatenção ou o descaso, mas não se podem confundir certos cuidados tomados no momento de decidir com a eventual possibilidade de exatidão.
É sempre importante perceber que ao estarmos tomando uma decisão, esta ocorre no presente, e os seus resultados ocorreram no futuro; e embora isto pareça algo simples, o fato é que o conhecimento nos habilita a conhecer o passado, nos arma de boa técnica e teorias, o que nos permite fazer projeções e não previsões futurológicas. Somos técnicos, por vezes melhor ou pior preparados. Mais do que isso, há que se considerar a capacidade de subjetividade de cada individualidade; se existe o artista que atua na pintura, nas letras, na música, na escultura, ora, também existe este potencial quanto a certa capacidade natural de tomar decisão; é o que se chama de talento.
Fosse o processo decisório algo exato, dez dentre dez que tomassem uma decisão a tomariam da mesma forma; e isto não está ligado apenas a ser mais ou menos conservador ou arrojado, o que novamente são características típicas da subjetividade. Também não se pode falar em instinto, pois isto implicaria num automatismo que o ser humano não tem. Para o bem ou para mal, cada individualidade tem livre arbítrio, embora este esteja, evidentemente, susceptível às suas crenças, ao seu conhecimento, aos seus costumes, o que novamente nos faz trilhar o enfrentamento da falta de exatidão.
O fato é que onde existe como objeto de construção de conhecimento o fator humano, estaremos a lidar com a subjetividade expressa no arbítrio individual, que por seu lado, de modo sistêmico, acaba por constituir a ação em sociedade, no que tange as relações no plano cultural, social, político e econômico. A matemática, nesse sentido, pode contribuir como método para quantificar tendências e diretrizes, o que novamente não está ligado à possibilidade da certeza absoluta.
Tomar decisões presentes que envolvem o futuro significa conviver com expectativas e incertezas, que são potenciadas conforme o tamanho do prazo envolvido na questão, ou seja, uma decisão de curto prazo tem maior possibilidade de acerto do que a de longo prazo, o que não significa que o que foi previsto para o prazo mais próximo possa acabar não se confirmando, enquanto o mais distante acabe por se confirmar. Não se trata de exatidão, mas de uma boa dose de sorte aliada aos aspectos racionais que envolveram essa decisão. Ao elemento decisivo cabe aprender a conviver, inclusive, com os aspectos informais, que nem sempre podem ser quantificados, mas que contribuem na tomada de uma boa decisão.
Não é de hoje que esta discussão se processa. Já Henri Fayol, que divide com Taylor a paternidade da Administração, um engenheiro de formação, tinha como opinião a respeito da formação de gestores: “comete-se um grande erro quando se sacrifica, durante quatro ou cinco anos, a cultura geral necessária em benefício do excesso de matemática” e vai além, afirmando: “abusa-se da matemática na crença de que, quanto mais a dominamos, mais aptos estamos para gerir os negócios e de que seu estudo, mais do que qualquer outro, desenvolve e retifica a capacidade de julgar”, e finalizando: “os chefes de indústria e os engenheiros.... têm necessidade de saber falar e escrever.... a regra de três sempre bastou aos homens de negócio” .
Ou seja, reconhece o falar da capacidade empreendedora, da vontade, portanto da subjetividade no processo decisório. Não se trata, evidentemente, de se desprezar a matemática, muito benvinda como método que, via quantificação, permite efetivamente reduzir o risco na tomada de decisão. O que se propõe é tomar cuidado com certas ilusões de suficiência, onde se tem apenas o ponto de partida.

FONTE: FAYOL, H. , Administração Industrial e Geral, 10ª Ed: São Paulo. Atlas, 1994.

05 de abril de 2009


Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

A Evolução do Conceito de Eficiência para o de Eficácia na TGA




Uma das contraposições mais observadas no meio da administração é a diferenciação dos conceitos de eficiência e eficácia. Porém, de modo geral não se comenta que foram criados em condições históricas diferentes, visando vencer os desafios da gestão em momentos diferenciados, encontrando entre o surgimento de ambos algo em torno de 20 anos.
No que tange o conceito de eficiência, ele é trazido para TGA pela escola da Administração Científica de F. Taylor, entre o final do século XIX e o início da segunda década do século XX. É um conceito antes focado na linha de produção, na empresa que ainda estava mais preocupada com a produção da oferta do que com o consumidor.
Historicamente surge num momento de intensa concorrência de um capitalismo que já passara por duas revoluções industriais e, segundo a avaliação de seus críticos, assumia a sua fase amadurecida de alta concentração de capital, com o capital industrial se unindo ao capital bancário para formar o capital financeiro. É o momento dos trustes e cartéis, e também do imperialismo da Europa Ocidental, onde o velho líder britânico com seu grande império se vê afrontado pela ascensão da potência do estado alemão, já integrado, disputa que alimentaria a caldeira de fatos que acabariam por produzir a Primeira Guerra Mundial.
Seja como for, o que temos neste momento é uma concorrência onde se busca ter o melhor produto, centrada na visão de oferta, e focada, portanto, no ambiente interno da empresa, prevalecendo como fator de incremento de demanda o chamado esforço de venda, onde prevalece o interesse do ofertante. A Revolução Industrial surgiu a partir do impulso gerado pela escassez de mercadorias, advindo do período do mercantilismo, onde o comércio internacional desenvolve-se produzindo uma demanda potencial cada vez maior, criando condições para a evolução da produção, visando converter tal potencial em demanda efetiva.
Assim, a visão de eficiência se associa à evolução desencadeada pela escassez de mercadorias que, à medida que era solucionada, intensificava a concorrência. E a eficiência foi o meio encontrado e sugerido por Taylor para aumentar a produtividade, conceito este que o engenheiro mecânico, Pai da Administração, foi buscar com o professor acadêmico, Adam Smith, Pai da Economia: a produtividade inerente à organização social do trabalho, que posteriormente foi potenciada pela evolução tecnológica.
Tal visão haveria de mudar à medida que a escassez de mercadoria fosse se transformando em abundância. Possivelmente ocorreria na segunda década do século XX; não a solução deletéria da Primeira Guerra Mundial, que pela destruição gerou novas oportunidades via posterior reconstrução, protelando a questão da abundância excessiva de produção para eclodir no final da década seguinte, em 1929, aí construindo um novo tipo de mercado caracterizado pela abundância produtiva. Era o prenúncio do fim da era da visão ofertante de mercado.
É momento de crescimento das teorias que incorporavam o fator trabalho de modo mais humano na gestão administrativa. Iniciava-se a era de uma nova vertente da TGA, a Escola de Relações Humanas. A administração nascida nas mãos de engenheiros e inspirada pela economia ganhava o acréscimo dos psicólogos. O “homem boi” de Taylor ganhava contornos primitivos, a força política do fator trabalho se desenvolve. Já não quer estudar apenas a ação do homem, mas suas motivações; é preciso conhecer o material humano para saber lidar com ele. No mais, a empresa precisa se abrir para o ambiente externo, mudar o seu foco. Neste sentido é que a APO de Drucker, nos anos 40, retifica a direção. A administração, por objetivos, modifica a visão da melhor maneira de produzir da eficiência, para melhor maneira de se atender a um objetivo estabelecido, sinônimo de eficácia. Ora, isto para a empresa significa conhecer o seu meio externo, o mercado onde ela atua, e conhecer o mercado é conhecer o consumidor. É assim que o foco da empresa se volta cada vez mais para o mercado, e nesse sentido se começa a mudar a diretriz do ofertante-produtor em favor do consumidor. Novamente é o elemento humano o foco de estudo, daí ser preciso conhecê-lo, e para tanto o indicador passou a ser as suas necessidades. Agora se uniam os sociólogos e psicólogos sociais na construção da TGA, abrindo caminho para a evolução do Marketing e do Planejamento.
No entanto, quando se propõe uma evolução histórica para os conceitos não se pretende dizer que um deve ser usado e outro não.
Na verdade, o bom funcionamento de uma empresa depende da interação dos dois aspectos, com a eficiência sendo ponderada pela eficácia, sendo ministrada a dose de remédio na proporção da doença empresarial acusada pelos seus sintomas. Eficiência e eficácia: dois bons remédios; basta saber usar.

04 de abril de 2009


Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

A Estratégia da Redução dos Impostos




A partir da Revolução Keynesiana, nos anos 30 do século passado, a intervenção da gestão pública através dos instrumentos de política econômica tem se mostrado cada vez mais efetiva. Neste sentido, há que se reconhecer que o governo Lula tem se desdobrado e se mantido atento, através de uma contínua atuação sobre a economia.
De modo geral, os instrumentos de atuação do governo estão sintetizados em dois grupos: aqueles vinculados à Política Monetária e à Política Fiscal, sendo que em ambos os casos a atuação se faz no sentido de intensificar ou restringir o funcionamento da economia.
Assim, ao sentir o aquecimento da inflação por conta de desajuste entre a renda e a produção, definindo um excesso de demanda, pode-se, via política monetária aumentando a taxa básica da economia, a Selic, levar ao encarecimento do crédito, desestimulando o seu uso tanto para o consumo como para o investimento, enfraquecendo a renda e assim contendo a inflação.
Em algum sentido, é o que se via ocorrer no recente ciclo de expansão da economia brasileira, que acabou sendo abortado por conta da crise internacional que foi embalada no mercado financeiro, mas se alastrou pela produção, pelas vias da queda do consumo e do investimento. Desta forma, a inflação ascendente a ser contida verteu-se numa tendência decrescente pelo indesejado esfriamento do mercado, não por contenção do crédito, mas efetiva crise de demanda, seja alimentada por redução de renda e emprego, seja decorrente das expectativas negativas sobre o futuro e contração daí decorrente. Em certo sentido, o gestor público faz caminho inverso dos rumos do mercado: se está aquecido e inflacionado, busca contê-lo; mostrando-se recessivo, busca medidas para reaquecê-lo.
A situação a partir do último trimestre de 2008 se modificou. O sentido expansivo deu lugar ao desaquecimento econômico, prenunciando a diretriz recessiva e modificando o ambiente foco de ação da gestão pública da política econômica. Ao invés de medidas de contenção passou a ser necessário a adoção de medidas visando o aquecimento da economia. Neste sentido se recorreu aos artifícios da política monetária, promovendo uma contínua queda da taxa Selic, visando dar indicação às instituições que oferecem crédito de que as taxas de juros práticas deveriam cair, gerando crédito barato a fim de nutrir com renda adicional o mercado enfraquecido. Somou-se a isso uma medida no sentido de redução do compulsório junto aos bancos, acrescendo a quantidade de recursos à disposição dos mesmos para serem ofertados para o crédito.
O resultado não foi o esperado, a aversão ao risco manteve os juros em patamar elevado, reduziu os prazos de pagamento, além de atuar numa maior exigência cadastral para ofertar o crédito. Percebendo que por meio da intermediação financeira não obteria o resultado desejado, o governo passou para uma atuação mais direta junto à sociedade e atuou de pronto no setor que foi um dos principais responsáveis pelo crescimento econômico, as montadoras. Não encontrando o eco necessário na política monetária buscou recurso na política fiscal. Não se tratou de uma reforma tributária geral, mas de uma desoneração tributária (ao invés de subsídios) de modo pontual e com prazo determinado, atuando no sentido da redução do IPI pelo prazo de três meses, o que acabou por permitir aliviar os estoques indesejáveis das montadoras, o que por seu lado ficou associado a uma política de manutenção do emprego. Sem dúvida, ponto a favor do governo. .
Entretanto, após esse período verificou-se que o mercado ainda se encontrava enfraquecido para o retorno do IPI, assim foi prorrogado. E mais do que isto: tal medida definida como de desoneração fiscal foi estendida para outros setores, novamente tentando reaquecer o mercado pela redução do preço dos produtos, mantendo-se os automóveis, acrescendo para material de construção, ao que se soma o lançado em final de março de 2009, numa linha de crédito de R$ 34 bilhões para a construção de 1 milhão de casas populares (para pessoas com renda inferior a três salários mínimos mensais). Medida muito benvinda, mas insuficiente para resolver o déficit habitacional atual em torno de 8 milhões de residências.

Quanto ao aspecto de desoneração, trata-se de R$ 1,675 bilhão a menos na arrecadação federal, porém calculado sobre níveis de venda que certamente o enfraquecimento do mercado não permitiria atingir, ou seja, sendo o governo um transferidor de renda, a diminuição da atividade econômica por si só implicaria a queda de arrecadação. Por conta disto, há que se relativizar a questão de suposta perda de arrecadação, ou seja, manter a arrecadação implica manter a dinâmica da economia, e o governo, mais do que generoso, foi sensato ao tomar tal medida.
Mas sua idéia é efetivamente atuar como catalisador, ou seja, como dinamizador da economia. Não por outra razão o prazo da desoneração não faz parte de nenhuma reforma tributária, ou seja, não altera a estrutura tributária do país, mas apenas socorre no sentido de um combate focado na conjuntura desfavorável. Além disso, no caso em questão foi adotado um fator compensatório, aumentando as alíquotas de IPI e PIS/Cofins sobre os cigarros. E neste caso, o pobre do fumante além de dependente do seu vício será o condenado moral, que além da pagar com saúde, também o fará com o bolso se não parar “na marra” de fumar.
Esta desoneração com aspecto compensatório é um diferencial na ação governamental, que até então já havia, segundo suas projeções, se auto-imposto uma desoneração anterior sem contrapartida de R$ 10,4 bilhões em relação ao ano de 2009, tendo por maior beneficiário pessoas físicas com a criação das alíquotas de 7,5% e 22,5% (desoneração estimada de 5,6 bilhões). Nada mais justo se considerarmos a defasagem de correção monetária na tabela do imposto de renda. Outro destaque deste primeiro momento foi a tentativa de reativação do crédito via redução dos impostos cobrados sobre os empréstimos (R$ 2,5 bilhões), medida cujos resultados não se mostraram suficientes, de onde resultou também a redução do IPI.
O fato é que, em meio esta terrível crise, é bom ver a gestão pública atuando de forma anticíclica e recorrendo a todos os instrumentos disponíveis, seja da política fiscal, seja em relação à política monetária.

03 de abril de 2009

Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

Taxa Selic: A Base de Sustentação da Política Monetária




A Taxa Selic, também conhecida como taxa média do over, será obtida no que tange o seu valor diário, a partir do cálculo da taxa média ponderada e ajustada, das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais e realizadas, via operações compromissadas diariamente no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, o SELIC, de onde decorre a denominação da referida taxa.
Tratam de operações de venda de títulos onde fica estabelecido o compromisso de recompra por parte do vendedor, assim como de revenda assumido por parte do comprador, cuja liquidação se dará no dia útil seguinte, que propicia a liquidação imediata, ou seja, em tempo real de cada operação realizada. Tais operações são de exclusividade de instituições financeiras devidamente habilitadas, tais como bancos, caixas econômicas, corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários.
Embora calculada diariamente, a Taxa Selic, ao ser estabelecida para um ano, tomará como medida 252 dias úteis. A mesma passou a ser definida pelo COPOM, Comitê de Política Monetária, criado em 1996 visando dar transparência às decisões do gestor público, quanto às diretrizes da política monetária, com foco especial destinado à definição da taxa de juros a ser paga pelos títulos públicos, a taxa básica da economia, então denominada de Selic.
A partir de 1999 o COPOM recebeu atribuições no sentido de passar a trabalhar com regime de metas de inflação, o que em última instância seria expresso na evolução da Taxa Selic, intensidade de aumento ou redução. Assim, porém não obrigatório, o viés que tratava de indicador no sentido de alta ou baixa na inflação futura. Inicialmente projetado para 12 reuniões anuais, passou, a partir de 2006, para oito, onde o que é definido é constado em ata, posteriormente divulgada.
Funcionalmente a taxa é utilizada nas operações de curtíssimo prazo no mercado interbancário. Ou seja, quando um banco quer tomar recursos emprestados de outros bancos, pelo prazo de um dia, oferecem títulos públicos como lastro, efetiva garantia que objetiva reduzir o risco da operação, o que propiciará um menor pagamento de juros por parte do tomador, em razão do ganho garantido por parte da instituição que empresta os recursos. De fato o risco é o governo, pois são dos seus títulos a fiança do sistema em questão.
Na prática, os operadores das instituições envolvidas atuam na posição de vendedores e compradores que ficam compromissados na inversão de papeis no dia útil seguinte, concluído o negócio, garantido (lastreado) em títulos públicos. Este é informado via terminal de computador ao SELIC, que por seu lado providencia a imediata transferência dos títulos ao comprador, assim como faz o respectivo crédito em conta corrente do vendedor. Na realidade, os títulos atuam como moeda escritural (ou bancária), sendo que os correspondentes débitos e créditos serão administrados pelo denominado DEMAB (Departamento de Operações de Mercado Aberto do Banco Central).
Neste sentido a Selic, por regular diariamente as operações de financiamentos interbancárias, acaba por atuar como a taxa de juros básica da economia, ou seja, como um padrão de referência em torno do qual acaba por se refletir o custo do dinheiro para oferta de empréstimos das instituições financeiras junto ao público, o que por seu lado implica dizer que, como o lastro destas operações são os títulos públicos remunerados pela Selic, o gestor público acaba tendo à sua disposição um importante instrumento de política monetária através do qual pode intervir no mercado.
Naquilo que se refere a manter a atratividade do mercado comprador pelos títulos públicos, remunerados segundo a SELIC, há que destacar que se trata de taxa de juros nominal, composta de uma parte que deve recompor a inflação e outra que é a remuneração real, ou seja, que propicia ganho real ao comprador de títulos. É este saldo que representará a efetiva remuneração. Entretanto, a principal função da SELIC é atuar como espécie de indicador dos rumos da política monetária ao expressar a meta de inflação. Influenciará as demais taxas do mercado; sua evolução implicará aumento ou diminuição dos juros da economia, desde que não perca sua capacidade de indicar os rumos.
O que normalmente acontece na economia brasileira é que as diversas taxas de juros nominais praticadas nos mercados são muito acima da SELIC, porém ainda acompanham sua flutuação. É em relação a isso que o gestor da política monetária deve tomar cuidado em manter-se como o indicador do mercado, promovendo uma movimentação geralmente criticada por ser lenta demais, mas que se afobada poderia levar à perda de sua função como tal.
No mais, sob o aspecto do endividamento público, em especial naquilo que se refere à rolagem da dívida pública que paga os juros dos títulos públicos, seu aumento implica maior pagamento de juros, o que prenuncia um maior endividamento. Em sentido inverso, sua redução implicará uma redução no custo da rolagem da dívida. Estes juros, por seu lado, devem ser pagos via receitas tributárias que devem advir da política fiscal do país; neste sentido, haveria de se supor que sua redução deveria refletir numa redução da carga tributária do país, via alívio tributário por parte do governo. Por fim, a SELIC atua ainda dentro do contexto da produção, à medida que sua evolução definirá aumento ou redução no custo do crédito, o que refletirá no consumo no que se relaciona aos recursos disponíveis, assim como no investimento. Pelo mesmo motivo, acrescido da sua influência sobre a ação empreendedora no comparativo entre a atratividade da taxa de lucro em comparação com a taxa de juros, leva aqueles que tem poupança a optar entre a aplicação financeira ou o investimento produtivo.

01 de abril de 2009


Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

Bolsa de Valores: A Fuga de Capitais da Bovespa




A atual crise na economia mundial tomou fôlego no último trimestre do ano de 2008, tendo por foco gerador a crise do mercado de financiamento imobiliário vinculado ao crédito “sub-prime” (de segunda linha) norte-americano, que se alastrou para o mercado imobiliário, impulsionando um conjunto de eventos que culminaram no início de um processo recessivo em dezembro de 2007 no EUA.
Como que doença provocada por vírus de alto potencial de infecção ao longo de 2008 foi se espalhando pelo mundo nos três primeiros semestres deste ano, mas efetivamente apresentando os seus sintomas no trimestre final.
Inimigos de nascimento, o mercado financeiro se viu frente a frente com o sintoma da aversão ao risco, que de modo sintético nada mais é do que o temor daqueles que têm recursos disponíveis em aplicá-los, o que significa, na outra ponta da relação, emprestar tais recursos. Este temor vai desde uma corrida dentro do próprio mercado financeiro em busca das aplicações mais seguras, porém menos rentáveis, até a sua fase mais crítica, quando a aversão passa a ser quanto ao próprio mercado financeiro e se passa a buscar alternativas de lastro físico, como o ouro e os imóveis.
No caso da Bolsa de Valores, criada como meio das empresas buscarem financiamento pela via da expansão do seu quadro societário, pulverizado por meio das denominadas ações, cujo fundamento seria a retribuição em dividendos, nome dado ao lucro distribuído pela empresa aos portadores das ações. A princípio ligada à funcionalidade da instituição, acabou por ganhar vida própria, como papeis no mercado financeiro, perdendo parte dos seus parâmetros racionais de avaliação em prol do jogo de expectativas que alimenta a especulação do jogo de oferta e demanda do mercado, de modo a associarem o risco da atividade operacional àquele inerente à área financeira, tornando-se ativo de alto risco, estrela de primeira ordem nos ciclos expansivos da economia, porém espécie de megera indesejada nos momentos de retração.
É assim que uma das principais repercussões da crise financeira ao longo do globo planetário trata-se justamente das flutuações com viés de preço baixista que atuam como que o inseto cupim na madeira, a corroer os índices indicadores de rentabilidade das várias bolsas de valores incrustadas na geografia cosmopolita do mundo globalizado, onde as expectativas e ansiedades ligadas à internet alimentam as 24 horas de cada dia, criando uma espécie de história instantânea, com os eventos suplantando a intencionalidade dos seus atores humanos.
Na prática, temos algo como uma feira mundial de ações, onde pequenos e grandes, compradores e vendedores, confrontam-se objetivando o ganho de curto prazo. Ora, focando a análise no país emergente como o caso do Brasil, considerado de maior risco, acusado o prejuízo no seu mercado de papeis, alastra-se a concepção de risco, o que acaba por definir uma fuga em direção a mercados considerados mais seguros. Em sentido inverso, sendo o prejuízo em país desenvolvido, o aplicador busca os seus recursos aplicados nas carteiras de maior risco, portanto, nos mercados emergentes, para cobrir os eventuais prejuízos. Seja como for, numa crise como a atual há muito mais gente querendo vender do que comprar ações, o que gera a diretriz baixista do mercado.
No caso brasileiro temos um duplo problema, dado que as principais empresas, cujas ações compõem o mercado brasileiro, estão operacionalmente vinculadas à produção de commodities. A siderúrgica Vale do Rio Doce e a petrolífera Petrobrás, responsáveis por quase 50% da movimentação da Bovespa, ofertam produtos cuja demanda na rabeira da crise acabou por se fazer enfraquecida, o que serve para alimentar as especulações sobre os seus resultados operacionais futuros. Em favor de expectativas negativas, que se consolidem ou não, já terão provocado no presente os estragos que testemunhamos na queda do Ibovespa.
É assim que ficaremos, na situação que no jargão popular se expressa com “se ficar o bicho come, mas se correr o bicho também come”. Enquanto for esta a percepção, a Bolsa de Valores acaba por ser coisa para profissionais do mercado, e mesmo estes no momento vêm sem dúvida precisando de alguma assessoria de uma boa dose de sorte.

29 de março de 2009

Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

General Motors : Um Gigante quase Nocauteado




Em 16 de setembro 2008 o hiperconglomerado econômico General Motors comemorou 100 anos de fundação. Tendo por paternidade William Durant acabou consolidada por Alfred Sloan Jr, que em 1923 assumiu a presidência e sob o seu comando, que se deu até 1956, transformou a GM na maior montadora de automóveis do mundo.
Proprietária de marcas tradicionais na indústria automobilística, tais como: Buick, Cadillac, Chevrolet, Oldsmobile e Pontiac, além da GMC destinada a produzir exclusivamente caminhões, peruas de grande porte e camionetes, também possui outras cujo sucesso é mais recente, neste caso: a Daewoo, Holden, Hummer, Opel, Saturn, Saab e Vauxhall. A gigante norte-americana é assim composta por doze marcas, sendo que o caráter cosmopolita da megamultinacional torna-se evidente ao se constatar que se encontra espalhada por 33 países, onde emprega uma multidão de 280 mil empregados, segundo levantamento de 2006.
O centenário é sem dúvida um momento especial. Entretanto, o que deveria ser uma constatação de longevidade acabou por acusar sinais que antes caracterizam os distúrbios da senilidade, onde o fato emblemático e com maior exposição na mídia é ter, justamente neste ano, perdido a sua histórica liderança mundial no segmento de montadora de veículos para a nipônica Toyota Motors, o que por seu lado refletiu num biênio com os dois maiores prejuízos da história marca, o maior de todos em 2007: de US$ 38,70 bilhões de dólares e empurrado por uma queda geral nas vendas em 2008. De 10,8% vendeu 8,35 milhões de unidades, contra 9,37 milhões em 2007 e acabou por acusar o segundo maior prejuízo de sua história: US$ 30,9 bilhões. Somente no último trimestre de 2008 as perdas foram de US$ 9,6 bilhões.
O que se poderia alegar é que existe uma crise geral, o que de fato há, entretanto, num comparativo a queda de vendas da Toyota Motors, nova líder de mercado, foi da ordem de 4% (vendas de 8,97 milhões de unidades em 2008). Mas uma questão adicional associada ao perfil dos principais produtos oferecidos pela GM atua como complicador; tratam-se veículos grandes, tais como picapes e utilitários esportivos que oferecem conforto, mas que apresentam um consumo elevado quando relativizados com o alto preço do petróleo.
Tal situação já se reflete nos papeis em Bolsa de Valores; assim, em 06/03/2009 no pregão de Nova York suas ações atingiram patamar de US$ 1,27 (como posterior recuperação para US$ 1,43, resultando numa queda de 23,12%) , seu menor valor em 75 anos, dado ter valido tão pouco anteriormente no longínquo 4 de maio de 1933. No mais, a grandeza da GM e sua vascularização pela economia carregam consigo as suas fornecedoras, tais como American Axle & Manufacturing Holdings e a Lear Corp, que emplacaram respectivas quedas de 32,14% e 21,03% neste funesto dia.
Infelizmente não se trata de um aspecto pontual, antes parece consolidar uma tendência, dado que considerados os últimos 12 meses o valor de suas ações chegaram à incrível perda de 94%, o que se associa a outra informação de alto teor deletério como a de que a empresa, se tomarmos por base o ano de 2005, de lá para cá já perdeu mais de US$ 70 bilhões.
Por conta deste conjunto de aspectos negativos a mega-empresa se viu obrigada a buscar socorro nos recursos públicos, junto a governo norte-americano, algo em torno de polpudos US$ 13,4 bilhões, que para desgosto geral acabaram por se mostrarem insuficientes. Outra tentativa de socorro foi tentada junto ao governo alemão, país atendido pela Opel, mas este não se mostra disposto a conceder créditos, senão condicionando a intervenção estatal a certeza de obter maiores benefícios do que danos. Seja como for, este adicional de complicação apenas contribui para piorar o que estava ruim, e abriu espaço para uma série de informações desencontradas que anunciavam a falência da centenária empresa.
Neste caso, é bom que fique claro ter havido um desencontro na análise das informações quando a General Motors recorreu à legislação americana que regulamenta falências e concordatas, que difere da brasileira. Assim, o que ocorreu foi que a citada recorreu ao Capítulo 11 que prevê a concessão de prazo que pode ser de 60 dias, além de também prever exceção para casos que considerar especiais, para poder reorganizar as contas, o que em muito difere do Capítulo 7 que se refere à liquidação judicial, e assim a falência propriamente dita. Reafirma-se: a estratégia da GM se baseia no Capítulo 11.
Os auditores que analisam a possibilidade levantam “dúvidas substanciais” a respeito do atual potencial da megamontadora em se recuperar. A própria concordata da GM implicaria efeitos deletérios pela capilaridade do setor automotivo.
No que tange a sua ação de recuperação, o conglomerado industrial pretende reduzir, a partir de corte de vagas, um total de 47 mil no seu quadro geral de funcionários, dos quais 26 mil serão em instalações fora do EUA. Pretende mais, fechar pelo menos cinco fábricas no EUA, assim como três unidades na Europa; neste último caso, o objetivo é a economia de US$ 1,2 bilhão em gasto como pessoal, o que em termos percentuais corresponde a 20% do quadro na região.
Dentro deste quadro desalentador, a boa notícia é que ao fazer uma análise segmentada da supercorporação em contraposição à sua situação crítica nos países desenvolvidos, ela apresenta uma situação diferenciada entre os países emergentes onde registrou evolução positiva na América Latina, África e Oriente Médio em 2008, o que confirma a tendência de uma crescente dependência das vendas externas em relação às internas no EUA. Em 2007 as primeiras representavam 59% do total, e evoluíram para 64% no ano seguinte. Sendo que ao contrário do prejuízo, se considerado o grupo como um todo, nas citadas regiões em 2007 e 2008 houve lucro de US$ 1,3 bilhão (antes dos impostos) em cada um dos anos. Ou seja, US$ 2,6 bilhões, insuficientes para reverter os quase US$ 70 bilhões de perdas no grupo como um todo, aliás pouco mais 3,5%, mas enfim, esta parece ser o pequeno lume em meio à noite sem estrelas que invadiu os anos de glórias da General Motors, um gigante atordoado, cujo tombo pode criar um considerável terremoto nos segmentos político-econômicos.

28 de março de 2009

Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

Taxa de Inadimplência: Beneficiando os Maus Pagadores




Um instrumento importante para a economia é a apuração da Taxa de Inadimplência, que a princípio se trata de um levantamento quantitativo no sentido de se medir, dentre o crédito concedido, o quanto esta não está sendo paga. Neste sentido tal informação permite, no plano macroeconômico, por vezes supor alterações na produção e na renda, por quanto do aumento da inadimplência. Entretanto, é sempre bom estar atento à questão de se ser bom ou mal pagador não envolve apenas a possibilidade de pagamento e de renda disponível para tanto, mas um aspecto na área psicológica, assim como cultural e social, e neste caso, antes de haver renda há que ter a intenção e vontade de pagar do devedor.
O que quero dizer é a avaliação puramente quantitativa deste índice e sua ligação às variáveis macroeconômicas. Depende de se consagrar a hipótese de que quem tem renda efetiva irá pagar. Mais do que isto, também se associa a aspectos sócio-culturais a educação financeira, ou seja, também a má administração dos recursos pode gerar a inadimplência, o que novamente desprega o fator inadimplência da questão renda, ou pelo menos interfere na sua ligação direta.
Mas então a quem serve a avaliação na área exclusivamente quantitativa? A resposta está no plano micro, pois evidentemente atua a favor daquele que oferece crédito à medida que permite avaliar o risco, e por que não dizer incorporá-lo ao preço do dinheiro a ser ofertado? E então, novamente retomando uma visão de amplitude macro, observa-se que de modo geral todos pagarão por aqueles que não pagam, ou seja, a responsabilidade individual acaba acobertada e pulverizada na sociedade como um todo. E neste sentido a Taxa de Inadimplência tem uso efetivo que antes beneficia quem empresta e quem não paga, em desfavor de quem paga em dia as suas contas.
O modo de corrigir esta questão é se aprofundar na questão da inadimplência, com uma atuação qualitativa, no sentido de quem paga e quem não paga. Neste sentido é que o Cadastro Positivo e individualizado beneficiaria o bom pagador e atuaria de forma a promover restrições ao mau pagador. Não se trata de perseguir alguém ou coisa parecida, mas adequar o custo à ação individual.
Neste sentido se pode acusar que isto seria algo preconceituoso, e então questiono, pois à medida que a Taxa Inadimplência é utilizada para ponderar o risco, o tal preconceito já tem preço e é pago por quem não cria razões para ele existir, enquanto quem o produz fica oculto em meio à massa, ou seja, possivelmente a Taxa de Inadimplência do mau pagador é superior a esta taxa geral, ou seja, ele de fato acaba se beneficiando com uma taxa mais baixa por conta daqueles que pagam em dia. Em sentido inverso ele se beneficia ao invés de sofrer restrição.
Ainda quanto à questão do preconceito, haverá aquele que defenda que a medida seria restritiva aos mais pobres e deixaria de fora os mais ricos, a que então argumento: preconceito é supor que o pobre seja pior pagador do que o rico; o que ocorre é que este efetivamente por ter renda menor, a princípio teria mais probabilidade de não pagar do que quem tem renda maior. Isto se novamente apenas se avaliasse a questão de modo quantitativo, entretanto, basta colocar um aspecto qualitativo e cultural: o pobre sabe que seu principal patrimônio é o nome. O fato é que entre ricos e pobres, existem bons e maus pagadores, o por ser assim o procedimento adequado deveria ser premiado, enquanto o inadequado restrito.Crédito mais barato para quem paga em dia suas contas, crédito mais caro, ou sem crédito para quem não paga, pois a situação inversa, conforme observamos acima, só beneficia aquele que oferta o crédito e o mau pagador.
A questão da inadimplência deveria ser melhor estudada, e até aprofundada. Até mesmo o mau pagador gosta de lidar com bom pagador. Se existe o problema social, não se podem desprezar os aspectos psico-sócio-culturais. No mais, a questão social não será resolvida ocultando os que não pagam e transferindo a conta para os que pagam.
Entretanto, pelo momento, segundo dados do SERASA Experian, o que se tem é que a inadimplência aumentou em 8,6% nos dois primeiros meses de 2009. Porém, se considerarmos fevereiro em relação a janeiro, apenas haverá redução de 8,9%, embora se compararmos com o mesmo mês do ano de 2008 tenhamos acréscimo de 4,5%, tendo por fato já identificado o desaquecimento econômico e o aumento do desemprego no último trimestre e seus reflexos, de onde se pode especular a ligação entre as duas situações.
Do total da inadimplência nos dois primeiros meses, 43,4% é com os bancos, 37% com cartões de crédito e financeiras, 17,7% com cheques devolvidos e 1,9% de títulos protestados. Respectivamente, em média, R$ 1.371,13, R$ 357,07, R$ 823,15 e R$1050,90. São valores médios que não fazem acreditar que o mau pagador esteja associado apenas à sua renda, ou seja, em havendo tal valor concedido de crédito é de se supor que houve triagem financeira. Não me parece que uma pessoa efetivamente de poucos recursos conseguisse fazer tamanha dívida junto ao setor financeiro, que de bobo não tem nada.
Enfim, por um cadastro individual, para beneficiar quem tem bons hábitos e controle financeiro e para induzir a adquirir o costume de pagar em dia, e de autocontrole para os maus pagadores.

27 de março de 2009

Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

A Crise nos EUA e Suas Consequências no Brasil




Tentar entender as conseqüências da crise internacional em torno do Brasil implica fazer uma dupla avaliação, onde se poderia dividir a questão em frente interna e frente externa, e buscar concluir a partir da interação de ambas as vertentes.
O ponto inicial é definir o foco emissor da crise, e neste caso se pode afirmar que este se deu na frente externa, ou seja, em algum sentido estamos importando compulsoriamente a crise atual. A onda deletéria fez estágio na economia norte- americana antes de se por em movimento pelas praias de todo mundo. A questão é que este foco é dinâmico e continua a irradiar, ou seja, não se trata de algo que surgiu e desapareceu, pelo contrário, não apenas se expandiu pelo mundo como se realimentou entre os muros dos EUA, de forma que se aprofundou em onda recessiva, provocando o esfriamento da citada economia.
Não se trata de uma economia qualquer, mas da maior do mundo, espécie de motor do planeta do capital globalizado, hoje sob o novo comando de Barack Obama, que encontra eco no eleitorado, onde 63% dele aprovam suas medidas. Dentre estas, a aprovação de um super-pacote de dinheiro público a ser colocado na economia, no valor de U$ 780 bilhões. Aprovado no Congresso, porém tem pela frente fantasmas barulhentos como os 2,2 trilhões de dólares em créditos podres que infestam seu sistema financeiro, uma perda de 3,6 milhões de postos de trabalho desde o início da recessão, em dezembro de 2007, o que se reflete no número recorde de pedidos de seguro- desemprego, em torno de 5 milhões neste março de 2009, acusando o maior nível de desemprego desde 1983, uma taxa de desocupação de 8,1%.
Trata-se um processo de empobrecimento que nos últimos 15 meses corroeu da população norte-americana algo em torno de US$ 16,5 trilhões da riqueza disponível entre as famílias, que num comparativo equivale a montante pouco superior ao que os EUA produzem em um ano, o que seria o equivalente a quase 13 PIBs do Brasil. O desastre poupou as grandes fortunas, como a do dono da Microsoft, Bill Gattes que perdeu aproximadamente US$ 12 bilhões (em torno de R$ 28 bilhões). Dentre os ricos encabeça a lista Sheldon Adelson, empresário do setor imobiliário e de cassinos, que viu pulverizar 93% do seu patrimônio, perdas de US$ 30 bilhões (cerca de R$ 70 bilhões), se computadas até o mês de novembro de 2008.
Grandes soluções, grandes problemas, assim parece a notícia que antes serviria para nutrir a tradição do primeiro de abril, o dia da mentira: o super-conglomerado General Motors, símbolo do capitalismo sobre quatro rodas, em risco de falência, mesmo depois de receber um socorro com recursos públicos na ordem de US$ 13,4 bilhões, que vem de um biênio de prejuízos, 2007 e 2008, respectivamente, US$ 38,7 bilhões e US$ 30,9 bilhões; o pior e o segundo pior prejuízo, desde sua fundação há 100 anos.
Eis a atual situação do motor econômico do planeta. Vai mal, precisa de enormes reparos, e enquanto o conserto não produz resultado o mundo se realimenta com esta crise. E em que pese nestas horas se querer não estar presente e participar de indesejado evento, o Brasil não conseguiu escapar deste grande encolhimento do mercado internacional, e neste sentido é que se pode analisar sua frente interna, contaminada a partir se sua inter-relação com as demais economias.
Por aqui a crise aportou no último trimestre de 2008; desde então, a partir de dados do CAGED, o mercado formal desde novembro último perdeu 797,5 mil empregos, para um total de 30 milhões de brasileiros com carteira assinada. Tais dados encontram eco em outros do IBGE que apontam que houve acréscimo de 20,6% no contingente de desempregados de dezembro a janeiro, com a taxa de desemprego saltando de 6,8% para 8,4% da população, de modo que a população desempregada passou de 1,6 para 1,9 milhões (em seis áreas metropolitanas pesquisadas).
A situação do emprego do trabalho ratifica dados do IBGE referentes à produção que informou que a economia brasileira teve, no quarto trimestre de 2008 em relação ao terceiro, uma queda no PIB de 3,6%, que se trata do maior recuo da série histórica iniciada em 1996, ou seja, em 12 anos, o que é parte decorrente do esfriamento da economia interna, em parte por conta do desaquecimento da economia global e sua influência sobre o saldo da Balança Comercial.
Contribuiu de modo direto em torno de tais indicadores a retração do crédito para o mercado interno brasileiro, que por seu lado decorreu da crise de confiança que se proliferou a partir de intensificação do fator aversão ao risco que se proliferou retendo, assim, recursos antes disponíveis para crédito, tornando os fornecedores de crédito mais exigentes em relação às condições de empréstimo para os tomadores, tais como a diminuição do prazo almejando reduzir risco. Outra decorrência foi um aumento da taxa de juros por conta da escassez inerente não à falta de recursos, mas ao aumento da aversão ao risco de emprestá-lo. Seja como for, inibiu um dos principais fatores que contribui para o recente crescimento econômico, a expansão do crédito.
Por fim, há que se avaliar que no mundo globalizado ligado pela rede mundial as informações têm um fluxo muito rápido, e a crise tende a se refletir cada vez com maior rapidez. Entretanto, cabe destacar o papel crescente da intervenção do gestor público, e a retomada da concepção da importância da atuação do Estado na economia. O fato é que se hoje não temos uma repetição de 1929 é porque houve uma profunda evolução teórica e prática na atuação da gestão pública, pois esta tem sido e haverá de ser o fator diferenciador na redução dos efeitos deletérios da atual crise, assim como será o possível catalisador que conduzirá a economia na direção de nova onda expansiva.

24 de março de 2009


Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.