A Proibição do Telemarketing
Tantos foram os abusos, primeiramente detectados pelos órgãos de defesa do consumidor, e depois se generalizando na mesma proporção da impertinência de tele-inoportunos que insistiam em invadir os lares e empresas brasileiras através da linha telefônica. Como se fosse o sujeito que toca a campainha e já vai abrindo a porta da frente, entrando e gritando “ó de casa!”, como se gozasse da plena intimidade do seu espaço, embora nunca tenha tido o menor contato com o tal “Mané”. Mas ele parece não se incomodar com isso, vai se sentando e entrando no meio da conversa que ocorria antes de sua chegada. E o pior: quer ser o centro do assunto, e ainda por cima lhe vender algo que você não se dispôs a comprar; como se desejasse criar a necessidade de consumo do seu produto pelo método da tortura da sua presença.
O clamor social parece ter chegado ao Monte Olimpo das autoridades brasileiras, seja por ser correto, seja por se pensar no voto dos beneficiados. E neste caso é válido, pois uma necessidade efetiva foi criada, a noção de ser perturbado. Enfim, uma dose de cidadania “na marra” para nós, que somos tão anestesiados, acaba por contribuir. O governo estadual de São Paulo resolveu assumir com pioneirismo a adoção de medidas no sentido de conter os abusos, o que significa simplesmente dar ao consumidor a liberdade de optar se quer ou não receber a “visita surpresa” em sua casa ou trabalho, algo que parece bastante óbvio, embora algumas vozes do setor envolvido falem na perda de postos de trabalho. É claro que também do seu lucro, algo que nunca é alegado, como se fosse pecado. O fato é que seja remunerar como capital, seja como o trabalho, é a regra do jogo, o problema não está aí.
A questão passa pelo consumidor, que às vezes parece ser apenas um mero objeto a ser manipulado pelos “gênios da comunicação” que transformam conversa em lucro, e ele é quem paga o trabalho. O problema é que o consumidor não é secundário, mas prioritário. É que se ensina no bom marketing que a venda do produto acaba se fazendo por sua capacidade em coadunar com tal necessidade. O que se tem no tal telemarketing é esforço de venda na sua dose mais pura e potenciada pelos instrumentos de modernidade da comunicação. Deveria se chamar conceitualmente de “televenda”, mas neste caso a televisão chegou antes e já havia absorvido este qualificativo; então deveria ser “telefonovenda”. A sutileza da denominação de “telemarketing” se esconde atrás do que existia de positivo na imagem do marketing.
Basta perceber que, num comparativo simples, a venda televisiva embora tenha a seu favor a imagem é menos agressiva que a via telefônica, à medida que na primeira quem liga o aparelho é o consumidor, que pode desligá-lo ou mudar de canal se a argumentação do televendedor não lhe agradar. E então se poderia dizer que também se pode desligar o telefone de forma mais ou menos educada, mas existe um diferencial: o constrangimento, ou seja, enquanto houver um mínimo de educação e civilidade no ouvinte compulsório da visita telefônica ele ficará ali à mercê de alguém preparado para exercer uma conversa robótica. Aliás, algo a ser discutido, algum dia, se for feita uma pesquisa sobre a satisfação dos operadores com seus próprios serviços, e do seu estado psíquico após o exercício de atividade tão pouco gratificante que deve ser o treino da capacidade de ser rejeitado. É a arte de constranger versus o feedback de ser rejeitado.
O mínimo que se pode concluir é que o “trem” em questão não colabora para a saúde psíquica do ser humano. Em São Paulo, a regulamentação será feita pela Lei 13.226 , sancionada pelo governador José Serra em 7 de outubro de 2009. Quanto ao aspecto funcional, o que se terá será a criação de um cadastro estadual das pessoas que não desejam receber ligações de telemarketing. Eis o “ovo de Colombo”, o cidadão-consumidor poder decidir. Contra isso tem sempre aquele bom “liberalista de plantão” para defender a não-intervenção no mercado, a auto-regulamentação e “blá-blá-blá”, do mesmo tipo das tais agências reguladoras sustentadas com dinheiro público, fontes de empregos de não-concursados, coisa que os plantonistas em questão não reclamam como intervenção do Estado.
Quanto ao resultado, do equilíbrio entre empresas em consumidores e os aumentos do custo dos serviços públicos pós-privatização, bom negócio para o governo, que além de deixar de prestar a retribuição do imposto pago, ainda cobra impostos sobre tais serviços a serem pagos pelo “pagador de impostos” que consegue ser assim duplamente prejudicado, como consumidor e como contribuinte. E o cidadão? Este parece só existir mesmo em períodos pré-eleitorais, quando então fica à mercê do marketismo eleitoral, mas esta é outra história.
Pois bem, estando o consumidor cadastrado, após 30 dias as empresas de telemarketing ficam proibidas de contatá-lo. Uma opinião sensata em meio à discussão foi a de Ana Maria Moreira Monteiro, presidente da AM3, empresa de consultoria de telesserviços, que identifica, como conhecedora do Marketing, que o problema é a falta de critérios para as ligações, “sem direcionar produtos a públicos específicos”, fazendo com que a imagem do setor seja ruim perante a opinião do consumidor. Outra opinião ponderada parece ser a do presidente do sindicato das empresas de telemarketing (Sintelmark), Diogo Morales, que não se deixou levar pelo alarmismo “apocalíptico” e observa que ainda não é possível dizer se haverá demissões. – “Se houver muitos cadastros, é provável que sim”, e ainda argumentou que “é preciso lembrar que, para muita gente, é um orgulho receber uma ligação ofertando um produto”; neste caso se estará frente ao perfil do consumidor que não fará parte do tal cadastrado. Há que se aguardar.
Seja como for, as adaptações no setor se farão necessárias dado que a tendência de regularização tende a se espalhar a nível nacional, e se não houver uma lei no plano federal, as regras tendem a ser diferenciadas em cada estado. Assim é o exemplo do Rio Grande do Sul, onde o Projeto de Lei 22/2007 proíbe serviços de telemarketing fora do horário comercial; em tese com regra mais branda que a paulista, porém amparado na mesma essência, a abordagem abusiva, que por sinal permite amparo do Código de Defesa do Consumidor e pelo artigo 24 da Constituição Federal, que trata do consumo e da publicidade abusiva, fundamentação da citada lei.
O fato é que nesta questão está em jogo algo que vai além do setor: trata-se de direito à cidadania efetivamente exercido, com o Estado cumprindo o seu papel, e ele tem sido muito bem pago para isto. Quanto às empresas do setor, devem adequar seu tamanho e expansão a uma regra simples: respeitar o cidadão-consumidor. Poderia citar aqui um sem-número de atividades ilícitas que dão emprego e nem por conta disso deixam de ser ilícitas. Fato é que a liberdade de ação de um deve se limitar à liberdade do outro, ou seja, viver em sociedade significa ter direitos e deveres. Uma sociedade civilizada implica equilíbrio entre ambos; no caso brasileiro é um bom passo do nosso caminho a efetiva civilização, que implica cidadania efetiva e utilitária, e não aquela romantizada e lacrimejada pela moral que faz do cidadão uma espécie de servo do Estado. A pátria é um esforço dinâmico da sua coletividade, é nação viva, e não entulho de verborragia, seja de direita, seja de esquerda.
14 de abril de 2009
Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.
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